Segunda feira chuvosa em Porto Alegre. No dia anterior, eleições para presidência da República. Alegria para uns, tristeza para outros. Mas a vida continua. O professor toma dois ônibus para ir à escola aonde leciona na zona sul. Desce do primeiro na avenida Icaraí aonde espera o segundo, o lento Assunção. Ele sabe que a espera é demorada. Mas neste dia, a coisa parece pior: os alagamentos se agravaram com a incrível massa de santinhos de candidatos a diversos cargos eletivos jogados nas ruas. Muita sujeira e muita água, bocas de lobo entupidas, muita água e muita sujeira. Após desviar de alguns lançamentos d'água de automóveis que parecem ser guiados por indivíduos que não percebem nada ao seu redor, o professor consegue entrar no já atrasado Assunção. Apesar da sua agilidade, fica muito molhado, nervoso e atrapalhado. Com alguma demora junta o dinheiro e dá ao cobrador. Antes de passar na catraca observa uma mulher de aparência de uns 45 anos. Resfriada, ela tosse bastante e expele num pedaço de papel quantidade significativa de secreção pulmonar. Sem muitos cuidados, embrulha o papel, se lavanta e com muito esforço - muito esforço mesmo - a senhora consegue abrir a janela, em seguida lança a bolinha de papel janela a fora. Indignado, o professor cutuca a mulher e inicia um diálogo, com a voz elevada para que todos no ônibus possam ouvir:
- Você tem consciência do que fez?
- Do que você está falando? Respondeu a senhora, claramente perturbada mas tentando dissimular.
- Você sabe por quê eu estou molhado?
- Por causa da chuva.
O professor se irritou: - Sim, mas a sujeira nas ruas provocou o alagamento que você vê pela janela. Os carros passam e movimentam lateralmente grandes quantidades de água, molhando pedestres que andam pelas calçadas.
- É verdade. Disse a mulher, já mais dissimulada.
- E você é responsável por isso. Disse eu, ainda mais irritado. - Você tem consciência que todas as suas ações tem consequências, ou você não consegue pensar dessa maneira?
- Eu consigo sim, mas às vezes sai automático, a gente às vezes nem pensa no que tá fazendo.
- Então tente sempre que possível pensar no que faz, está bem?
- Eu vou tentar.
Mais aliviado, o professor senta-se num banco mais ao fundo do ônibus e espera o momento de descer enquanto observa a chuva pela janela.